A outra face da “moeda” depressão, a positiva, depois que consegue-se sair da negativa, serve para entender como funcionamos, nós seres humanos, ou como podemos funcionar, para obtermos no final bons resultados (lembrando que tudo é sempre provisório, instável).
A depressão e sua superação podem ser vistas, na minha experiência, como um evento químico, físico e simbólico.
Nossa química corporal habitual muda de rota e se desequilibra, sinaliza sua presença enviando para o corpo variado tipo de mensagens que configuram um complexo de sintomas e ao mesmo tempo suspende o movimento físico como se um permanente peso sobre dorso impedisse qualquer outra coisa que não a posição horizontal.
Percebemo-nos então como tendo um corpo porque sua revolta contra nós o torna visível e caso nada façamos ele continuará imperando.
Recorremos então à química medicamentosa para colocar a química desregulada nos trilhos.
Se bem sucedida conseguimos verticalizar, sair do sofá ou da cama e ganhar de novo a posição ereta, o que viabiliza o movimento.
Há então que aproveitar e andar, movimentar-se de todos os modos, promover nosso deslocamento constante no espaço.
E, finalmente, pensar, simbolizar, humanizar-se, comunicar-se, pôr-se em palavras e discursos dirigidos para si mesmo e para os outros.
Dizia Descartes ter um corpo, uma máquina mecânica independente, passível de ser examinada como uma coisa externa, como, na formulação de Fernando Pessoa “um cadáver adiado que procria” e ser um cógito uma “coisa” pensante sob a forma de “alma”, proporcionada ao homem por Deus.
Na prática diríamos hoje que somos um corpo químico-físico capaz, em algumas situações, como por exemplo, na depressão, de se tornar presente sob a forma de mensagens variadas a nós dirigidas e de provocar nossa imobilidade horizontal.
Tudo isso é processado por nossa instância de ser pensante, a nosso cógito des-divinizado e culturalizado.
O que fizemos, pois com a herança cartesiana? Mudamos de verbo no que diz respeito ao corpo, que antes tínhamos e que agora (pelo menos na depressão) somos sendo tal corpo um ente químico e físico, ambas as dimensões tendo que ser enfrentadas pela tecnológica farmacêutica e pela movimentação física sistemática.
E finalmente pensar sobre tudo isso, por em discurso e discussão, já que somos, como diria Descartes, uma “coisa pensante”, mas não como um dom de Deus (qualquer que seja seu formato) e sim como fruto da cultura, ou seja da capacidade de simbolização e comunicação gerada por nós mesmos, homens, ao longo do tempo.
Em suma, a depressão serviu-me para alguma coisa: para entender que, hoje, somos – pelo menos sou – três coisas ao mesmo tempo e, assim, objeto de intervenção da química, da física e da antropologia
E como tudo é tecnologia, para resumir, comprimidos para engolir, exercício físico para suar e notebook para escrever (e terapeuta para desabafar).